31/10/14

Vénia





Obrigado!
Muito obrigado!
É o mínimo que posso fazer. Agradecer reconhecidamente a todos os artistas amadores que levaram ao palco do Teatro Stephens durante seis noites consecutivas, repito: seis noites consecutivas, o espectáculo de abertura da nova Casa da Cultura.
Vai para eles o meu aplauso! De pé!...

Era bom que todos repetíssemos o gesto, principalmente aqueles que apenas se lembram do capítulo dos direitos, que exigem sem nada dar em troca, que semeiam ventos, que olvidam a obrigação de dizer um simples “obrigado” pelo sacrifício pessoal e familiar destas dezenas de pessoas que há mais de quinze dias, todas as noites, de forma ininterrupta, fizeram do palco do Teatro Stephens a sua casa, e dos seus colegas de ofício a sua família mais próxima. Apenas por amor.


28/10/14

Viva o Teatro Stephens






Foi com alguma emoção que voltei a entrar no Teatro Stephens, e foi também com alguma comoção que assisti ao “Palco de Memórias”, um espectáculo digno do momento, feito por marinhenses para marinhenses. Revivi gentes e tempos, afundei-me na cadeira de veludo escarlate e deixa rolar algumas lágrimas. Poucas. Coisas da idade.

Quanto à programação agendada, de entrada livre, um reparo.
No dia 21 de Novembro haverá um concerto único de António Zambujo, apenas acessível aos felizardos que esgotarão por certo a lotação do teatro, cerca de duzentas e tal pessoas (não sei precisar a lotação, uma vez que essa informação não está disponível).
De acordo com a informação disponibilizada na acta 21 de 18/09/2014 (disponível no site da CMMG), a contratação do cantor custará 8.500€ mais IVA.
Para um espectáculo único, de entrada livre e limitada a reduzido número de pessoas, parece-me difícil de perceber a relação custo/benefício. Tanto mais que uma parte substancial dos lugares, suponho eu, será ocupado por pessoas próximas da câmara (executivo, familiares e amigos, membros da assembleia municipal, familiares e amigos, etc, etc, etc – os que em “tempo útil” reservaram bilhetes).
Pelas razões invocadas parece-me que fazia todo o sentido que o espectáculo não fosse de acesso gratuito. Por uma questão de equidade.

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Na sequência deste reparo li a referida acta 21, da qual passarei a transcrever o ponto 19 relativo a este assunto.
Ridícula a forma e o conteúdo obrigatórios para a aprovação da contratação deste serviço. É o Estado que temos, tão rigoroso e formal numas coisas e tão ligeiro noutras. Ou muito me engano ou é fracamente mais simples resgatar um banco do que contratar o Zambujo.
Chamo a vossa particular atenção para o parágrafo por mim sublinhado. Uma pérola.


19 - PARECER PRÉVIO VINCULATIVO, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO N.º 11 DO ARTIGO 73º DA LEI N.º 83-C/2013, DE 31 DE DEZEMBRO, QUE APROVA O ORÇAMENTO DE ESTADO PARA O ANO DE 2014, PARA A CONTRATAÇÃO DE “CONCERTO DE ANTÓNIO ZAMBUJO”.

745 - A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2014, veio dar continuidade a um conjunto de medidas introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2012 e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2013, tendo em vista a redução dos encargos do Estado e das diversas entidades públicas.

Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 73º da Lei do Orçamento de Estado de 2014, a celebração ou a renovação de contratos de aquisição de serviços por órgãos e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril, alterado pela Lei nº 66/2013, de 27 de agosto, independentemente da natureza da contraparte, designadamente no que respeita a:
a) Contratos de prestação de serviços nas modalidades de tarefa e de avença;
b) Contratos de aquisição de serviços cujo objeto seja a consultadoria técnica.
carecem de parecer prévio vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, nos termos e segundo a tramitação a regular por portaria dos referidos membros do Governo.

Para os organismos e serviços da Administração Pública abrangidos pelo âmbito de aplicação da Lei n.º 12-A/2008 de 27 de fevereiro, foi publicada no Diário da República a Portaria 53/2014 de 3 de março, que regulamenta os termos e a tramitação do parecer prévio vinculativo dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, previsto no n.º 4 do artigo 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e nos nºs 4 e 5 do artigo 35.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.

O n.º 11 do art.º 73 da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2014, estabelece que, nas autarquias locais, o parecer prévio vinculativo previsto no n.º 4 do mesmo artigo é da competência do órgão executivo e depende da verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e c) do número 5 do mesmo, bem como da alínea b) do mesmo número, com as devidas adaptações, sendo os seus termos e tramitação regulados pela portaria referida no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 209/2009, de 3 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 3 – B/2010, de 28 de abril, e 66/2012, de 31 de dezembro.

Na presente data continua por publicar a portaria referida no parágrafo anterior, sendo que a necessidade da sua publicitação já vem sendo referida desde a Lei do Orçamento de Estado de 2010, Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril, atenta alteração consagrada no mesmo ao art.º 6.º do Decreto-lei n.º 209/2009, de 3 de setembro. Assim, para a Administração Local não existe regulamentação quanto aos termos e tramitação do parecer prévio vinculativo, previstos nos n.ºs 4 e 11 do artigo 73.º da Lei n.º 83 – C/2013, de 31 de dezembro.

Apesar da ausência de regulamentação para a Administração Local é entendimento generalizado de diversas entidades, nomeadamente a DGAEP, que o parecer prévio vinculativo e a redução remuneratória se aplicam às autarquias locais.

Assim sendo e considerando que nos termos do n.º 11 do artigo 73º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, a emissão do parecer prévio vinculativo, depende da verificação dos requisitos preceituados nas alíneas a) e c) do n.º 5 do referido artigo, bem como da alínea b) do mesmo número e artigo, a saber:
- Se trate da execução de trabalho não subordinado, para a qual se revele inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego publico e da inexistência de pessoal em situação de mobilidade especial apto para o desempenho das funções subjacentes à contratação em causa;
- Seja observado o regime legal da aquisição de serviços;
- O contratado comprove ter regularizado as suas obrigações fiscais e com a segurança social;
- Confirmação de declaração de cabimento orçamental;
- Aplicação de redução remuneratória preceituada no art.º 73º, n.º 1 da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento Estado para o ano de 2014 e no art.º 2º da Lei 75/2014 de 12 de setembro, de acordo com os quais a redução remuneratória é aplicável aos valores pagos por contratos de aquisição de serviços que, em 2014, venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objeto e ou contraparte do contrato vigente em 2013.

Presente a requisição interna n.º 13923/2014 e informação I/1222/2014, da DCD – Divisão de Cidadania e Desenvolvimento, nas quais se manifesta a necessidade de contratação do “Concerto de António Zambujo”, a realizar no dia 21 de novembro de 2014, na Casa da Cultura-Stephens, cujo contrato a celebrar carece de parecer prévio vinculativo nos termos do disposto no n.º 11 do art.º 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014.

Considerando que o objeto do contrato a celebrar consiste na realização de espectáculo musical, cuja globalidade das tarefas a executar serão exercidas com autonomia, sem caráter de subordinação e imposição de horário de trabalho, revelando-se inconveniente o recurso a qualquer modalidade da relação jurídica de emprego público.

Considerando que a Portaria 48/2014 de 26/02, determina que seja realizada a verificação prévia, da existência de trabalhadores em situação de requalificação, aptos a suprir as necessidades identificadas, através de formulário a submeter no site do INA e que através de mail, datado de 16/09/2014, o INA informou que não existem trabalhadores em situação de requalificação para a realização dos serviços objecto do procedimento a contratar, conforme se atesta em mail anexo.

Considerando que o contrato a celebrar carece de parecer prévio vinculativo nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 73.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014 e que o procedimento a adotar é o Ajuste Direto previsto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) do Código dos Contratos Públicos, atendendo a que se prevê um valor do contrato inferior a 75.000,00 €.

Considerando que a DCD propõe o convite à empresa SONS EM TRÂNSITO - ESPECTÁCULOS CULTURAIS, UNIPESSOAL, LDA, NIPC 506 734 579, e que esta possui a sua situação regularizada no que respeita às suas obrigações fiscais e para com a segurança social, conforme documentação em anexo.
Considerando que se encontra inscrito em Plano de Atividades Municipais de 2014 a dotação para a assunção de despesa no ano de 2014 para a contratação do “Concerto de António Zambujo”, na classificação orgânica/económica 06/020220, ação do PAM 2014/A/123, tendo sido emitido o cabimento n.º 2236/2014.

Considerando que o preço base a aplicar é de 8.500,00€, acrescidos de I.V.A. à taxa legal em vigor, sendo este o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações de serviços objeto do contrato a celebrar e que este não está sujeito a redução remuneratória, preceituada no n.º1 do art.º 73º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2014, por não existir contrato com idêntico objecto celebrado no ano de 2013, não havendo, por este facto, termo de comparação, conforme se atesta em documentação anexa e em cumprimento do preceituado.

Considerando que nos termos do disposto na alínea b) do art.º 3.º da Lei n.º 8/2012, são compromissos plurianuais aqueles que constituem obrigação de efetuar pagamentos em mais do que um ano económico, conceito que não se aplica ao contrato que se pretende celebrar para a contratação do “Concerto de António Zambujo”, por os pagamentos inerentes serem efetuados na íntegra no ano de 2014, não ocorrendo a assunção de compromissos plurianuais.

Face ao exposto e considerando que se encontram cumpridos os requisitos preceituados nos n.º 4 e n.º 5 do artigo 73º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, Lei do Orçamento de Estado de 2014, a Câmara Municipal delibera, de acordo com o n.º 11 do artigo 73.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, emitir parecer favorável à contratação do “Concerto de António Zambujo”, a realizar no dia 21 de novembro de 2014, na Casa da Cultura-Stephens.

Esta deliberação foi tomada por unanimidade.


23/10/14

Experimentação




Qualquer variedade tridimensional fechada e com grupo fundamental trivial é homeomorfa a uma esfera tridimensional.

Teorema de Poincaré



Crato, o matemático português que Passos não se arrepende de ter escolhido para ministro da Educação, compreende perfeitamente o que está em causa no Teorema Poincaré. Mas será que tem o mesmo discernimento a respeito das funções que Passos lhe atribuiu?
Para obter resposta a esta pergunta, decidi fazer um pequeno ensaio. Despretensioso. Caseiro.
- Ó Lurdes, chega aqui.
Lurdes Rata, a minha mulher a dias que pouco mais sabe do que escrever o nome e ler as promoções na Dica da Semana, entrou na sala e olhou-me com desconfiança.
- O que é que fiz desta vez? As manchas de lixivia que estão nas calças novas não fui eu! – afiançou. Tomei nota da auto-denúncia…
- Não tem nada a ver contigo. Ando aqui com umas dúvidas e preciso que me dês uma ajuda. Quero fazer-te duas ou três perguntas, pode ser?
- Você está-me p’ra me quilhar!?… O que é que quer?
- Lurdes, sabes para que serve a escola?
- Claro, para ensinar os meninos! – respondeu de pronto.
- E para ti o que é que é o mais importante na escola? O que é que vem em primeiro lugar?
- Os meninos!
- Está bem. E…
Lurdes interrompeu-me.
- O importante é que os meninos aprendam e sejam felizes!
- Está bem. Mas a escola é mais do isso.
- Claro que é, olha que porra! Para os meninos aprenderem e serem felizes é preciso que os professores sejam bons, que a escola tenha boas condições, uma boa cantina, e é preciso que os meninos com mais dificuldades tenham ajuda, que os funcionários sejam simpáticos. Olhe, na escola dos meus há alguns que passam por lá um mês ou dois e depois vêm outros, credo! Até parece que caem lá de paraquedas. Diz que são “póques” ou lá que raio é.
- Certo. Mas, para teres bons professores, o que é que achas que é preciso?
- Olhe, eu cá no meu entendimento acho que lá só deviam estar os que gostam. E depois sentirem-se estimados. Olhe, a professora do meu mais velho veio de Viseu. Já viu o que é uma mulher com homem e garotos pequenos vir pr’aqui baldeada? Não deve ganhar pró que gasta… eu cá preferia ficar em Viseu, nem que fosse a lavar retretes.
- Sim mas, se calhar ela vem porque dar aulas é aquilo que gosta de fazer.
- Mas olhe que os professores hoje em dia aturam cada coisa. No meu tempo havia respeito! E depois as professoras dos meus estão sempre a dizer que passam o tempo a preencher cada vez mais papelada em vez de estarem a ensinar.
- Queixam-se muito, é?
- Olhe que quando você me manda fazer coisas que não lhe vejo proveito, também não acho grande piada. E os livros?
- Obrigado Lurdes. É só.

Lurdes Rata, que é mulher sem grande instrução, em duas ou três pinceladas revelou mais sensibilidade e bom senso do que o matemático Crato.
No essencial estou de acordo com aquilo que disse. A formação dos “meninos” de hoje, homens de amanhã, o mais importante de tudo, nunca poderá ser feito numa escola em que não se investe num corpo docente e auxiliar preparado, estável, motivado e respeitado (por todos sem excepção!), numa escola em que não se investe no apoio aos mais desprotegidos, numa escola em que se investe na burocracia e nos desperdício de tempo e de recursos, numa escola em que pura e simplesmente não se investe porque pura e simplesmente se confunde investimento com despesa.
Caro Passos, lamento informá-lo. Lurdes Rata, a minha humilde mulher a dias, está muito melhor preparada para assumir a pasta da Educação do que o eminente matemático Crato, escolhido por si.
Aqui que ninguém nos ouve: exonere lá o moço e “livre-me” da Lurdes por uns tempos. Apenas os suficientes para ela pôr a casa em ordem. Aceita o meu repto? Ou será que também se sente ameaçado?



20/10/14

Arte e Manhas



Enquanto beberrico um pequeno cálice de ponche, tento em vão concentrar-me. A escrita não se compadece com o turbilhão de ideias e mensagens que gravitam  em torno do cérebro, que chocalham dentro do cérebro. Muitas vezes o problema nem é de “inspiração”, é de síntese. A fronteira entre a verborreia e a legibilidade é tão ténue, que até a inocente cantilena que Lurdes Rata ensaia à capela enquanto engoma as camisas da semana, um dos clássicos da vasta obra de Tony Carreira, se torna num obstáculo quase intransponível. – Tá calada mulher! – grito eu da sala. Lurdes acusa o toque e manda-me à merda, de caminho. Faz-se-me luz – é isso mesmo, é por aí que devo começar: “este Orçamento de Estado é uma merda!”. A adjectivação não é iconoclasta, é mesmo biológica…

Goebells, ou até o trapalhão Mohammed al-Sahhaf, não fariam melhor. A propaganda aos supostos méritos do OGE de 2015 está na rua e faz o seu imperturbável caminho, acolitada por zarolhos, coxos, comentadores, peritos e videntes. As rotativas não dão tréguas e as parangonas sublinham o jackpot: “Cada filho vale 925€ no IRS” (Correio da Manhã); “Alívio fiscal nos salários já em 2015” (Jornal de Notícias); “Pensões médias e altas pagam menos” (Jornal de Negócios); etc etc, etc; apenas a Nova Gente, quase sempre atenta ao mais ínfimo pormenor, prefere um caminho bem mais tortuoso mas não menos aliciante, revelando aos seus leitores segredos de alcova da viçosa monarquia: “D. Duarte tem hipoteca no BES” … apenas ficou por esclarecer se no bom, ou no mau… detalhes…
Não fossem os perigosos marxistas-leninistas, comunistas empedernidos e maoistas ressabiados, Bagão Felix, Manuela Ferreira Leite e Pacheco Pereira, a desalinhar, e a procissão seria um passeio pelos media. É inaceitável a forma despudorada como a ministra Luis e os restantes cobradores do fraque, que parece ainda gozarem de boa imprensa (pasme-se), passam uma esponja meio húmida sobre o brutal aumento de impostos, que não vê alívio, sobre a incompreensível fixação de um limite para os apoios sociais, sobre o fim da clausula de salvaguarda do IMI, sobre os inqualificáveis cortes na despesa (com o epíteto de “poupança”), que mais não são do que um desinvestimento colossal nas primordiais funções do Estado (educação, saúde, etc), sobre a tramóia da “fiscalidade verde”, uma espécie de colecta fofinha, ecológica, moderna, que mais não visa do que extorquir o pouco que sobra à carneirada, sob a capa de supostas preocupações de sustentabilidade ambiental. E no topo do monte de esterco, voilà, a poia ainda fumegante: [o orçamento para 2015] “é fiscalmente mais moderado” (dixit Mr. Harry Porttas, ex-defensor dos reformados, dos espoliados, dos contribuintes, dos encalhados e dos portadores assintomáticos de cálculos renais).
Mais uma vez o traço ideológico do orçamento não deixa dúvidas à alvura do algodão e a nova baixa da taxa de IRC sintetiza essa preocupação para com os que mais sofrem com a crise – os grandes contribuintes de IRC, na sua maioria empresas em regime de monopólio ou semi-monopólio, e que também na maioria dos casos não se dedicam à produção de bens transaccionáveis, muitas delas exercendo inclusivamente actividades especulativas. Sejamos sérios, em que é que se traduz a baixa de IRC? Apenas numa coisa muito simples e óbvia, num alívio fiscal para os que mais deveriam contribuir e numa sobrecarga para os do costume. Mas porventura alguém com dois dedos de testa associa a baixa da taxa de IRC na actual conjuntura, à competitividade, ou ao investimento, ou à criação de postos de trabalho? É que se assim fosse, a baixa de IRC de 2013 para 2014 já estaria a produzir efeitos.
Verdade seja dita, quaisquer que fossem as medidas para 2015, haveria sempre por onde pegar. Porque se por hipótese, meramente académica e inverosímil, este governo de saloios diminuísse a carga fiscal, só provaria que tudo o que fez desde o início foi errado, conforme já o reconheceu, o ex-futuro boy do FMI, Vitor Gaspar.
Passos & Portas, as duas faces da moeda deste governo sem crédito não são, de facto, fundamentalistas orçamentais, são apenas cretinos orçamentais. Em bom.


17/10/14

Mais Eça!




- Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O emprestimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquella questão do emprestimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episodio historico!...
O Cohen collocou uma pitada de sal á beira do prato, e respondeu, com auctoridade, que o emprestimo tinha de se realisar absolutamente. Os emprestimos em Portugal constituiam hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensavel, tão sabida como o imposto. A unica occupação mesmo dos ministerios era esta - cobrar o imposto e fazer o emprestimo. E assim se havia de continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, d'esse modo, o paiz ia alegremente e lindamente para a banca-rota.
- N'um galopesinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso, ninguem tem illusões, meu caro senhor. Nem os proprios ministros da fazenda!... A banca-rota é inevitavel: é como quem faz uma somma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hein! E todos escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o calice de novo, fincara os cotovellos na meza para lhe beber melhor as palavras.
- A banca-rota é tão certa, as cousas estão tão dispostas para ella - continuava o Cohen - que seria mesmo facil a qualquer, em dois ou tres annos, fazer fallir o paiz...
Ega gritou soffregamente pela receita. Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionaria constante; nas vesperas de se lançarem os emprestimos haver duzentos maganões decididos que cahissem á pancada na municipal e quebrassem os candieiros com vivas á Republica; telegraphar isto em letras bem gordas para os jornaes de Paris, Londres e do Rio de Janeiro; assustar os mercados, assustar o brazileiro, e a banca-rota estalava. Sómente, como elle disse, isto não convinha a ninguem.
Então Ega protestou com vehemencia. Como não convinha a ninguem? Ora essa! Era justamente o que convinha a todos! Á banca-rota seguia-se uma revolução, evidentemente. Um paiz que vive da inscripção, em não lh'a pagando, agarra no cacete; e procedendo por principio, ou procedendo apenas por vingança - o primeiro cuidado que tem é varrer a monarchia que lhe representa o calote, e com ella o crasso pessoal do constitucionalismo. E passada a crise, Portugal livre da velha divida, da velha gente, d'essa collecção grotesca de bestas...
A voz do Ega sibillava... Mas, vendo assim tratados de grotescos, de bestas, os homens d'ordem que fazem prosperar os Bancos, Cohen pousou a mão no braço do seu amigo e chamou-o ao bom-senso. Evidentemente, elle era o primeiro a dizel-o, em toda essa gente que figurava desde 46 havia mediocres e patetas, - mas tambem homens de grande valor!
- Ha talento, ha saber, dizia elle com um tom de experiencia. Você deve reconhecel-o, Ega... Você é muito exagerado! Não senhor, ha talento, ha saber.
E, lembrando-se que algumas d'essas bestas eram amigos do Cohen, Ega reconheceu-lhes talento e saber. O Alencar porém cofiava sombriamente o bigode. Ultimamente pendia para idéas radicaes, para a democracia humanitaria de 1848: por instincto, vendo o romantismo desacreditado nas letras, refugiava-se no romantismo politico, como n'um asylo pararello: queria uma republica governada por genios, a fraternisação dos povos, os Estados Unidos da Europa... Além d'isso, tinha longas queixas d'esses politiquotes, agora gente de Poder, outr'ora seus camaradas de redacção, de café e de batota...
- Isso, disse elle, lá a respeito de talento e de saber, historias... Eu conheço-os bem, meu Cohen...
O Cohen acudiu:
- Não senhor, Alencar, não senhor! Você tambem é dos taes... Até lhe fica mal dizer isso... É exageração. Não senhor, há talento, ha saber.
E o Alencar, perante esta intimação do Cohen, o respeitado director do Banco Nacional, o marido da divina Rachel, o dono d'essa hospitaleira casa da rua do Ferregial onde se jantava tão bem, recalcou o despeito - admittiu que não deixava de haver talento e saber.
Então, tendo assim, pela influencia do seu Banco, dos bellos olhos da sua mulher e da excellencia do seu cosinheiro, chamado estes espiritos rebeldes ao respeito dos Parlamentares e á veneração da Ordem, Cohen condescendeu em dizer, no tom mais suave da sua voz, que o paiz necessitava reformas...
Ega porém, incorrigivel n'esse dia, soltou outra enormidade:
- Portugal não necessita refórmas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão hespanhola.


“O Maias”

Eça de Queiroz

(1888*)


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* de 1888 para 2014… é só fazer as contas…



07/10/14

Confesso-me agnóstico








Pedi à Lurdes Rata que me fosse buscar o espremedor dos limões e tentei a minha sorte. Quase nada. Apenas meia dúzia de pequenas gotas escorreram para a base do espremedor. Talvez tenha utilizado o equipamento errado, pensei cá para comigo. Vou tentar a centrifugadora Moulinex. Talvez tenha mais sorte. Talvez a força centrifuga consiga o milagre de transformar os chavões pré-cozinhados, soprados por um qualquer guru pós-moderno, em meio decilitro de sumo. Já não peço mais…

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Ora pensava eu que uma identidade se construía ao longo de anos, com base no ADN herdado e em resultado daquilo que são competências técnicas (e artísticas) adquiridas e consolidadas ao longo de diversas gerações. Ora pensava eu que a Marinha Grande era única e irrepetível pelo património industrial (e cultural associado) acumulado ao longo de anos e anos de trabalho árduo e de empreendedorismo autêntico. Ora pensava eu que todo o trabalho se devia concentrar num esforço autêntico e genuíno para recuperar, preservar, manter, desenvolver e elevar a patamares superiores de excelência aquilo em que orgulhosamente nos revemos e em orgulhosamente somos competentes, a nossa verdadeira identificação colectiva. Quando, por artes mágicas - abra-cadabra - descubro que a mudança de identidade se pode decretar através de uma simples intervenção plástica, estética, em resultado da manipulação em laboratório, uma espécie de identidade proveta trazida á luz do dia por estrangeirados e iluminados.
Não sou contra a modernidade nem contra novos conceitos. Não sou contra o design nem contra novas tendências. Não sou contra a engenharia nem contra a investigação e desenvolvimento. Mas sou absolutamente contra uma política pacóvia de destruição dum património secular, sobretudo por omissão, rendida a uma suposta visão redentora duma nova identidade, um espécie de desígnio colectivo que não tem qualquer suporte, nem económico, nem social, nem político, e que, acima de tudo, não encontra o mais pequeno eco na prática duma equipa que lidera de forma amadora e casuística os destinos da nossa amada terra.
“Que se deixe cair a Capital do Vidro e dos Moldes “ – proclamou o rei! – “Mandem anunciar por todo o reino que de agora em diante seremos o Centro de Engenharia & Design. E agora vou-me retirar que estou estafado! É que esta coisa de perspectivar o vosso futuro é uma coisa que me consome muita energia! Não é Vitinho?”