25/06/13

O fim do complexo de Édipo


 


Encavalitado numa espessa nuvem de fumo de SO2, NO2 e NOx, vomitada para a atmosfera pela chaminé duma moderna vidreira de embalagem, a uns bons cento e vinte metros de altura, Édipo olhou uma última vez para baixo, procurando na terra dos comunistas, insaciáveis marxistas-leninistas a perseguirem deliciosas criancinhas, suculentas, tostadinhas - sim, que os comunistas pela manhã têm um apetite voraz e uma tumescência de micção que dá má fama à terra. Aliás, não fora o 18 de Janeiro e a terra até poderia ter sido o lugar escolhido para o 13 de Maio, ou não fora o Marquês de Pombal e os fleumáticos irmãos Catita, e a terra até poderia ter sido a capital do móvel de pinho ou do caracol à Bulhão Pato.
Porém, não alcançando à vista desarmada qualquer ogre vermelho, Édipo decidiu cumprir a lenda e partiu para matar o pai e casar com a mãe dando assim o mote, para Freud formular um famoso complexo que baptizou com o seu nome, e para o diácono Remédios escrever uma rançosa crónica de pasquim provinciano, em que decretou o fim do complexo, mas da canhota.
Felizmente que, para todos nós, filhos, enteados ou meros habitantes da “terra” (como alguns primatas curiosamente lhe chamam), as garrafarias investiram a tempo e modernizaram-se, os tempos foram rodando, o conceito purificando e as pessoas evoluindo. Não fora isso e ainda hoje seríamos conhecidos pela “terra do vidro e dos comunistas”, o que não auguraria nada de bom para as próximas autárquicas. Nem para a indústria de moldes em particular. Sabiam que, sobretudo no estrageiro, já se começa a ouvir dizer que a Marinha Grande é a terra dos moldes? Caramba pá, mais do que nunca é preciso mandar descansar os ogres vermelhos e o capuchinho rosa. O que é preciso é uma nova via de unidade na acção. Ponto!
Eu sei que a prosa hoje está um pouco desconexa e até capaz de causar alguns episódicos fenómenos de dislexia. É que o edipiano sentimento de amor-ódio que me inspirou, toldou-me a moleirinha e saiu isto. Felizmente que não tenho grandes responsabilidades e que o Conto do Vigário é de pequena tiragem. Livra!...
Adeus Édipo. Adeus esquerda. Adeus capital do vidro.
 

14/06/13

Santos da casa

 
Ao contrário do que é habitual, hoje Lurdes Rata estava de bom humor, quase eufórica. Enquanto limpava o pó a bom ritmo, trauteava a compasso uma marcha com letra bizarra – “lá vai o povo cantando e rindo / de braço dado com a alegria / não temos pão mas temos vinho / para animar o nosso dia“ – lembrei-me logo d’o Botas e da famigerada frase “beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”. Senti náuseas…
- O que é que se passa contigo, Lurdes?
- Logo à noite vou marchar! – respondeu prontamente com um sorriso tão largo que deixava a descoberto o espaço vazio que em tempos fora preenchido pelos molares.
- Como assim? – questionei.
- Não me diga que não sabe que hoje começam as marchas populares!? Não vai ver?
- Cruzes canhoto!
- Porquê? – perguntou indignada.
- Sabes Lurdes, sou um acérrimo defensor das tradições e da preservação dos usos e costumes. A cultura popular é um dos bens mais preciosos que podemos possuir e, tal como qualquer tesouro que se recebe, deve ser cuidado para que não se perca, por respeito a quem no-lo legou, mas também por respeito às gerações vindouras. Mas diz-me lá Lurdes, o que é que essa coisa das marchas populares tem a ver com a nossa Marinha Grande? Desde quando é que os Santos Populares são uma tradição na nossa terra? Sabes o que é que me custa, sabes? O que me custa é olhar para esta cidade e perceber que cada dia que passa aquilo que era genuinamente nosso se vai perdendo, esfumando na espuma dos dias, sem que ninguém pareça importar-se muito com isso. Tudo o que tem a ver com a cultura vidreira, com o pinhal, com o património industrial, com a nossa identidade, está a transformar-se numa quimera, numa vaga memória, e as memórias apagam-se ao ritmo do ciclo da vida. Os teus filhos sabem o que é um mestre vidreiro? Um lapidário? Um pintor? Os teus filhos já ouviram falar em colher, fechar o molde, levar acima, roçar? Os teus filhos sabem o que é o bojo ou a marisa? Alguma vez explicaste aos teu miúdos o significado de apanhar a espiga? Eles sabem o que é o penisco? Alguma vez se lambuzaram com um bolo de pinhão? Os teus filhos alguma vez olharam para uma bicicleta como um meio de transporte? – as palavras saiam-me de jorro, quase me impedindo de respirar – Alguma vez lhes contaste que o avô deles, e o bisavô deles, e o avô do bisavô, faziam nascer obras de arte de uma bola incandescente? Quantas vezes é que já fizeste uma sopa do vidreiro para a janta dos garotos? E quantas vezes é que já foste com eles ao Mac Donald’s? Vá, diz-me!?
Lurdes olhou-me de alto a baixo e retorquiu – Você passou-se. Enfim. O que me interessa é que hoje à noite vou marchar mais os meus garotos, no estádio. Essa é que é essa!
Senti-me angustiado. Dei meia volta e fui ver do rafeiro que no patim destruía o terceiro vaso de buganvílias numa semana. Há muito que tinha esta espinha entalada na garganta. Não resolvi nada, mas pelo menos desabafei. Sou mesmo vacão - a espinha continua atravessada. Inadvertidamente deixei que duas grossas lágrimas rolassem. O rafeiro lambeu-as, despreocupado.
 

05/06/13

Os ratos do sistema

Li ontem na imprensa que o Barómetro Eldeman Trust indica que a “banca é o sector que inspira menos confiança em Portugal”.
O mesmo estudo revela ainda que “o valor geral da confiança nas instituições governamentais desacelerou no país”.
Recordei de imediato uma entrevista que José Gomes Ferreira fez ao Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público, João Moreira Rato, que vi há pouco tempo na SIC Notícias.
Confesso que em determinados momentos senti a vergonha que o entrevistado não sentiu, apesar do embaraço evidente que foi tentando disfarçar.
O excerto que se segue é apenas um bom exemplo da forma como a banca “elimina a concorrência” através da acção do próprio Estado, colocando nos centros de poder os seus representantes, de forma absolutamente despudorada, com a conivência dos eleitos.
Penso que vale a pena ver o vídeo e ler o currículo do jovem entrevistado. As conclusões finais ficam para a caixa de comentários, se vos aprouver. Sem acanhamentos.