24/03/13

Doutores de Passareira*


Ao anúncio de regresso à RTP do estrangeirado Sócrates, num espaço de “comentário político” para optimizar audiências e exponenciar os engulhos ao anémico Seguro, respondeu de pronto uma legião de virgens ofendidas, com pateada, gritinhos pré-adolescentes e petições on e off line.
Se o problema é o da legitimidade de uma estação de serviço público dar tempo de antena a asnos e a coveiros atrevidos, então as virgens têm de calibrar o ponto de mira, pois não consta que em relação a outros mamíferos do mesmo quilate a protagonizarem semelhante papel, tenham usado do mesmo critério. Aliás, o serviço público está para a RTP como o Relvas para a política – pura ficção.
É-me por isso perfeitamente indiferente que Sócrates rinche uma vez por semana com dia e hora marcados, ao vivo e a cores, porque até ver cá em casa o comando da tv ainda obedece à minha vontade. Tal como acontece com o embargo que decretei aos pasquins de jornalistas imbecis e de opinantes de sarjeta, levam todos o mesmo tratamento – cá por mim os palermas ficam a falar sozinhos.

 
* passareira - aviário (tradução para os mais perguiçosos)
 

22/03/13

Agarrem-me senão eu bato-lhe!

 
Ao contrário do que seria de esperar, e não deixa de ser paradigmático dos tempos que vivemos, as últimas sondagens demonstram à saciedade que a oposição, sobretudo a do “arco do poder”, continua sem capitalizar a seu favor o descontentamento colectivo pelo estado calamitoso a que o nosso país chegou.
As respostas a este paradigma são diversas e encontram fortes razões em fenómenos sociológicos e políticos de natureza vária.
A uma cultura cívica de reduzida exigência em relação aos políticos e às instituições, de insipiente contestação popular, de reduzida expressão e participação eleitoral e política da esmagadora maioria da sociedade civil, poderemos juntar realidades tão simples e evidentes como a falta de entendimentos à esquerda, a cumplicidade de todos (embora em graus diferenciados) no estado da nação, a falta de classe das lideranças políticas, a teia de cumplicidades entre o estado e a economia pseudo-liberal, e por aí adiante.
Há contudo para mim uma causa que se sobrepõe a todas as outras e mede-se em quilogramas, ou fracção desta objectiva unidade de medida. Refiro-me obviamente ao tamanho (peso) dos tomates.
É claro que a decisão de apresentação de uma moção de censura, que o emérito Seguro fez ontem aprovar em conclave extraordinário, se destina mais à ovação interna do que ao legítimo e urgente exercício de uma alternativa de esperança. É fácil trocar palmadinhas nos Costas por gestos inconsequentes e redundantes, face há realidade nua e crua de um hemiciclo que maioritariamente defende um governo incompetente, que vê no Estado um papel meramente assistencialista e de pseudo-regulação. Porque se o emérito realmente tivesse vontade (e capacidade) para mudar o estado das coisas, exporia toda artilharia em cima da banca e indicaria de forma clarividente o que faria de modo diferente, para além das intenções genéricas de “negociação com a troika” e de “adopção de medidas para o crescimento” que vai apregoando com olhar vago e mortíço. Mas quais e como? Qual a estratégia? Aliás, a tibieza é tal que à complexidade da pergunta - “E promoveria a descida dos impostos?” - Seguro responde com clareza sintomática - “Não me comprometo”.
E no fim de tudo isto perguntar-me-ão: mas Seguro é papável? Obviamente que sim, em função da posição anedoticamente incontestada que ocupa no seu partido e da benção que os Espírito Santo e toda a nação de anjos e arcanjos calmamente instalados na banca celestial lhe parecem reservar, face às investidas brincalhonas dos Costas. Mas claramente que não, em função da falta de qualidades políticas que demonstra e da exígua falta de peso da fruta. As sondagens demonstram-no de forma evidente. Seguro não é papável porque este tipo de produtos são facilmente perecíveis e por isso mesmo de curtíssimo prazo de validade.
Mas duma coisa estou certo, embora a validação dessa convicção esbarre na impossibilidade de o provar. Se a moção de censura tivesse consequências traduzidas na queda do governo, Seguro jamais a apresentaria. É por isso que eu estou farto de líderes com tomates cherry.
 
 

13/03/13

Caderno de Encargos I - Exemplo Prático...


… do que não se deve fazer.

 
O caso dos Cheques-Bebé

A medida pode ser boa, desde que faça sentido. Atribuir incentivos à natalidade é uma forma de tentar inverter um problema gravíssimo -o envelhecimento da população. Mas a medida pode também constituir-se como uma forma de apoio social, desde que prestada a famílias que manifestamente apresentem carências económicas. Atente-se contudo ao argumentário do actual presidente da câmara e proto-candidato do PS às próximas eleições (logo no início do vídeo).
 


 



“Apesar do Concelho ser um concelho jovem, tanto no seu nascimento como da população activa, nós necessitamos de mais pessoas aqui a residir. Com o boom da construção ficaram muitas casas para vender e é uma medida de atractibilidade para todos aqueles que nos queiram escolher como local de sua residência.”

Afinal o estímulo à procriação municipalmente assistida, destina-se a promover a venda de imóveis, em português desleixado. O nascimento de bebés em barda assume assim uma forma meramente instrumental, para escoar produto em stock, funcionando como chamariz para casais em idade fértil.
Alguns dirão que por certo o que o senhor disse não era o que queria dizer. Concedo-lhe o benefício da dúvida. Tanto mais que ele tem interesses no comércio dos inibidores de fertilidade. Resta saber se as margens do leite em pó e das tetinas são inferiores ou superiores.


12/03/13

Caderno de Encargos I


- Pode dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair daqui?
- Isso depende muito para onde queira ir - disse o Gato.
- Não me importo muito para onde vou - respondeu Alice.
- Então qualquer caminho serve - retorquiu o Gato.
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(diálogo retirado do livro Alice no País das Maravilhas de Lewis Carrol)
  
NOTA PRÉVIA
Obviamente que conteúdo e forma constituem um todo indissociável para efeitos de valoração do projecto ao qual atribuirei o meu voto nas próximas eleições autárquicas. Quero contudo deixar claro que não tenho qualquer reserva mental relativamente à forma de organização que corporize os diferentes projectos “a concurso”. Mas, esclareço também, que será liminarmente desqualificada qualquer forma de organização que não se assuma de cariz político e que desvalorize preconceituosamente essa matriz de desempenho.
Governar um país, uma autarquia ou uma freguesia é na sua essência fazer política, escolhas, tomar decisões. Não faria por isso qualquer sentido escolher alguém para me representar e ocupar um cargo político que não compreenda o básico. Ser o representante político dos cidadãos deverá ser sempre visto como uma forma superior de servir os outros e nunca o seu contrário, sob pena de continuarmos a desvirtuar e a desacreditar as instituições e as pessoas de bem.
 
MATÉRIA DE FACTO
É evidente que não posso aceitar votar num projecto que não saiba definir objectivos e indicar quais os caminhos a percorrer nessa direcção. Aliás, o exemplo da gestão autárquica dos últimos oito anos, é a forma acabado dessa falta de sistematização e de visão estratégica que exijo para um projecto que queira conquistar o meu voto para as próximas autárquicas.
Assim, os projectos a concurso deverão definir de uma forma geral, mas não genérica, qual a visão estratégica que defendem para o Conselho, abarcando um horizonte temporal nunca inferior a 10 anos, sendo tão precisos quanto possível na identificação do modelo de desenvolvimento humano, económico e organizativo pretendido, justificando a escolha com argumentos que a possam sustentar. Será igualmente essencial que se quantifiquem indicadores gerais de desenvolvimento, qualidade de vida e de bem-estar que se pretendem alcançar nesse horizonte temporal, tomando-os como compromisso de metas a atingir.
As generalidades e banalidades meramente descritivas, inexequíveis, sem fundamentação e sem racionalidade argumentativa, serão por mim entendidas como falta de estratégia e/ou como publicidade enganosa, estando-lhes por isso reservado o caixote do lixo.
Talvez este meu primeiro ponto do caderno encargos possa parecer redutor, vago, básico ou até pueril. Não penso que assim seja uma vez que será a pedra basilar de toda a construção. E está mais do que visto que a esmagadora maioria dos anteriores projectos a concurso não partiu deste ponto. Simplesmente pôs-se a caminho sem saber para onde ia. Tal como a Alice no País das Maravilhas.
 

06/03/13

Abrenuncia




 A procissão está no adro e desfila já a bom ritmo as novidades da próxima colecção primavera-verão-outono, exibindo em corpos Danone XXL, faustosas e berrantes casulas, luxuosas estolas e desproporcionadas mitras. Medalhas e comendas luzem.
A encabeçar o cortejo, montado no seu jerico de euro e pouco por semana, vai o flibusteiro da Trombeta do Demónio, um asnil descendente de Palma Cavalito em versão net – que os tempos são de vertigem comunicacional e os bufos bombam novidades a cada segundo - acolitado de  perto por uma rara ave de arribação, muito engraçada e folgazona, que em tempos já foi “de quase tudo” e que agora, assentada a poeira, abraçou as letras e a sofisticada arte do desmanche de carcaças de novilho e de cavalo.
A cada passo e meio lançam um foguete, a maioria de pólvora seca, recolhendo de seguida as canas para fazerem armadilhas. De quando em quando lançam nuvens de fumo e confetes, sorrindo soberba e distribuindo beijinhos de chocolate de culinária. Estão felizes e sentem-se aconchegados com a atenção que lhes dispensam.
Mais atrás os homens-bons vão-se perfilando, acotovelando, disputando a sombra do pálio, um lugar na fila da frente do consistório e a generosidade do povo que os aplaude sem entender o que se passa. O povo é assim, é generoso por natureza e não gosta de arriscar – mais vale um borracho na frigideira que dois papa-figos empoleirados na antena da televisão.
A festa promete fados e guitarradas, folclore e sevilhanas, banda filarmónica e quermesse, comes-e-bebes e benzeduras. Quanto ao resto, à árdua tarefa de fazer renascer o orgulho ferido de uma paróquia sem rumo certo e sem futuro pensado, talvez lá mais para as férias grandes, quando o povo estiver ainda mais distraído a comer tremoços e a beber minis nas Pedras Negras, pois o que interessa agora é quem vai ser o prior, o sacristão, o mordomo e o anjinho. Interessa definir com o rigor gasparino quem vai levar a bandeira, quem vai pedir esmola, tocar o sino, beijar as criancinhas e subir ao púlpito para nos maçar de tédio. O burro do presépio há muito que foi mandatado e o seu lugar não é discutível. Pena que não se enxergue, já que o pio Bento não o proscreveu tal como fez com a Cornélia.
Este filme já o vi vezes sem conta e o final não é feliz, invariavelmente traduz-se não em quem ganha mas sim em quem perde. Não se trata de mérito mas de falta dele. Por inércia, por inépcia, por falta de senso, por não se saber ver para além do umbigo untuoso e cheio de cotão. Manter as capelinhas é a maior das necessidades da alma e do corpo.
Mas eu cá por mim não vou dar abébias, não vou ser indulgente, vou fazer um caderno de encargos e dar a conhecer ponto-por-ponto o que me fará ter fé e acreditar num futuro melhor. Pois se me acusam de não ser exigente com aqueles em quem confiei, não será desta por falta de aviso. De hoje em diante vou-me dedicar a estabelecer os critérios que me farão decidir e vou dá-los a conhecer publicamente. Aqui! Não em retiros manhosos ou encontros à socapa. Aqui! À vista de todos! Aqui! Onde quem quiser pode entrar e partilhar. E depois sim, podemos ir aos Necas ou ao Fabioca mamar umas imperiais e chupar uns caracóis.