22/06/11

O modo e o tempo


Embora desconfiando sempre do que os meus olhos enxergam, tendo em conta que já cá cantam três quartos de dioptria em cada farol, porque ando pela cidade de cabeça levantada, dei conta de uns quantos cartazes em outdoors e múpis que parecem indiciar estar em marcha uma campanha de promoção da grande Marinha. E digo “parece”, porque esses são os únicos sinais exteriores decifráveis, por associação com alguns eventos recentes da mesma natureza. Tal padrão parece corresponder a uma corrente de opinião que considera que a dinâmica da nossa cidade é muito mais do que aquilo que internamente se lhe reconhece, sobretudo nos domínios industrial e tecnológico, pelo que serviria tal reconhecimento como factor catalisador de dinamismo semelhante para outros domínios. A ideia até me agrada, pese embora que tal facto corresponda à assumpção de uma verdade irrefutável: o poder político local, por mais que se pavoneie com o empreendedorismo desta gente de trabalho que teima em arriscar, nem de perto nem de longe tem contribuído para esse sucesso, o que facilmente se demonstra à contrário, pela inércia e pela desastrosa gestão da coisa pública.
Contudo, como não estou certo de que esta minha percepção corresponda à realidade, tenho alguma dificuldade em perceber se a relação fundamental de uma equação desta natureza (custo/benefício), é ou não fracamente favorável. Deixo portanto essa análise para os mais entendidos. 
Nos cartazes, sob um fundo liso, pode ler-se a frase “A Marinha é Grande”, e por cima desta um arabesco que admito corresponder a uma figura estilizada, a qual varia de cartaz para cartaz.
Face à sobriedade da sua composição, estou certo de que quem produziu os referidos cartazes, fê-lo com a clara intenção de transformar a força da frase-trocadilho, na imagem de marca que se quer promover. Reparo contudo que a palavra “grande” começa com letra maiúscula, correspondendo por isso a um nome e não a um adjectivo, resultando assim na redundância de acrescentar à Marinha um nome que ela já tem. Curioso.
Por esta altura já alguns se interrogarão se hoje o fulano terá tomado os comprimidos. Esclareço desde já a dúvida, não estou certo se os tomei, mas serviu este pequeno jogo florar para transmitir os meus cepticismo e desapontamento em relação à forma como os dias vão correndo, sem grande rigor, sem grande percepção do real significado das coisas e dos actos. Pois não basta ter um Grande nome para se ser grande, nem tão pouco interpolar o verbo “ser” no presente do indicativo. Estou até em crer que, tendo em conta a fraca qualidade e prestação dos que nos têm conduzido na última meia dúzia de anos, mais se adequaria o tempo passado “foi”, com tudo o que daí advém como consequência para o tempo futuro “será”. E é este que é indubitavelmente o tempo da esperança: “a Marinha será grande”.  Se houver gente no presente a preparar o futuro. Com cartazes ou sem eles.


15/06/11

"Ideologia, não temos..."

Nado e criado na Marinha, o meu crescimento como homem, e a concomitante formação de personalidade, vieram em grande medida confirmar a regra de que o indivíduo (também) é produto do meio. Não é por isso estranho que, tendo nascido numa terra operária, fervilhante de homens e de mulheres com grande consciência social e de grandes lutadores antifascistas, que desde tenra idade me deliciasse com as pequenas tertúlias de acesa discussão política que por vezes se realizavam em casa dos meus pais, juntando alguns familiares e amigos. E como a ocasião faz o ladrão, até mesmo, ou por maioria de razão, em noites de modesta consoada, se discutia politica na sala, enquanto na cozinha as mulheres tentavam transformar o pouco que havia, num repasto que nos fizesse esquecer as privações.
Já mais tarde, na adolescência, recordo-me de percorrer a mata de bicicleta com o meu tio Zé e o Aurélio, discutindo e vincando abertamente os meus pontos de vistas, insuflado pelas convicções e pelas certezas que julgava ter, mas que não tinha, fruto das borbulhas, dos “pintelhos de leite” e das hormonas em ebulição. O tio Zé ria desbragadamente da minha pueril lenga-lenga de armado aos cucos, e vibrava de entusiasmo com a minha retórica oratória, dirigida aos pinheiros e às pinhocas – “é assim mesmo puto! É assim mesmo!”. Porém, a última palavra era sempre dele. Invocando a sua condição de homem maduro e de sindicalista convicto, aproveitava estes passeios para nos doutrinar, coisa que a minha mãe (sua irmã) nunca apreciou muito.
O tempo passou, a vida foi-nos moldando o carácter, e o carácter a vida, mas uma coisa para mim foi sempre absolutamente clara como a água que jorrava límpida e cristalina da fonte do Tremelgo, bebida em sôfregas golfadas após alguns quilómetros de bicicleta, na companhia do tio Zé e do Aurélio: “a ideologia é o sal da política”. Sem ela tudo se transforma numa amalgama de contradições, muitas vezes apelativas, sem dúvida, mas invariavelmente sem rumo. A política à la carte, destituída de qualquer conteúdo programático-ideológico, descaracteriza o modo de actuação dos partidos transformando-os em “mais um” entre outros, num casulo de possibilistas e de pseudo interessados no bem colectivo. É certo que assim se evita a coerência da prática face ao valor dos princípios, ou valorização da ética em detrimento do populismo saloio. Mas um dia, inevitavelmente todos farão a pergunta sacramental: - “então mas afinal o que é que os distingue?”





06/06/11

Dr. Coelho dos Santos


Faleceu o Dr. Coelho dos Santos. Um homem bom, um exemplo. Não lhe soubemos prestar em vida, a justa e merecida homenagem. Estranha terra esta, que não ama os seus.
Ficamos mais pobres com a sua ausência, embora enriquecidos pelo seu legado de vida.
À família, o meu sentido abraço de gratidão.


03/06/11

Galopinagem (IV)



E agora, alguns dos termos mais populares do rico léxico da galopinagem:

Arruada - largada de galopins, emoldurada pelas respectivas claques (pagas ou não).

Jantar Comício – lombo assado com arroz e batatas (ou só arroz), seguido de discursos mais ou menos inflamados, tudo dependendo do teor alcoólico do vinho de mesa servido aos galopins e às claques.

Debate – peleja de ornejos entre galopins, normalmente com a presença de um ente moderador, que dás os tempos e interrompe, a propósito e a despropósito.

Listas – ordem de entrada em cena dos galopins, normalmente com base em lutas intestinas onde se exibe a crista e a falta de jeito.

Sondagens – estudo profundo de ordenação dos galopins, em função do que seria suposto o povo votar, em razão da vontade de quem paga o referido estudo.

Poder – faculdade de fazer e dizer disparates, legitimada pelo povo.

Urna – caixão de metal, acrílico, madeira ou qualquer outro material, onde jazem os votos com as respectivas promessas acopladas.

02/06/11

Galopinagem (III)




Há coisas que me tocam. Profundamente…

Porque por detrás de cada galopim há um homem ou uma mulher, compostos por um complexo sistema de neuros e de glândulas endócrinas, que reagem a estímulos, sensações e estados de alma, é que por vezes encontramos no meio de todo o ruído ensurdecedor das campanhas, momentos de uma ternura e beleza indescritíveis, como este:


Caro Feteira Pedrosa, gostei que tenha partilhado connosco este outro lado mais intimista da campanha mas, sentimentos e mariquices à parte, espero bem que tenha apresentado a factura a Pinto de Sousa, que esta coisa não está só para croquetes e rissóis.
Confesso contudo que fiquei sem perceber uma coisa, se o título do post se referia ao comício da Rodrigues Lobo, se a uma subtil auto-referência ao organizador do evento.