26/03/11

Passos perdidos




 
Mas afinal, o que é que eu percebo de política? Tal como de futebol – nada!!! É por isso que no fim de um entrevista, ou de uma jogatana, quando ouço os comentadores encartados embevecerem-se nas suas mais profundos dissertações analíticas, fico sempre com a sensação de ter visto outra coisa completamente diferente. Mas como eles é que são os entendidos, ámen…


23/03/11

Absíntio

Hoje senti pena de Pinto de Sousa. Dele e de Cavaco, de Passos, de Louçã, de Jerónimo, de Portas. Do país. Não por comiseração ou compaixão, mas por confirmar a pequenez destes líderes e dos seus séquitos. Por confirmar que não estão à altura dos cargos que desempenham. Por confirmar que, por mais evidentes que sejam as consequências dos caminhos escolhidos, ninguém, repito – ninguém! - se sente responsável por absolutamente nada.
Hoje senti-me responsável e senti vergonha. Tenho subestimado os deveres e sido complacente com os direitos. Não tenho sido exigente para com aqueles em quem tenho confiado, para não me sentir obrigado a ser rigoroso.
Hoje senti que as minhas dúvidas estão a dar lugar ao desalento e que me resta muito pouco em que confiar.
Hoje procurei respostas, procurei compreender o que vai acontecer amanhã, mas ninguém ousou arriscar. Apenas o Instituto de Meteorologia vaticina – períodos de céu muito nublado. Chuva e aguaceiros. Condições favoráveis à ocorrência de trovoada e granizo. Que merda. Pensava eu que a primavera tinha chegado.


17/03/11

Mata-sanos


Da entrevista ao ainda primeiro-ministro Pinto de Sousa, retive uma frase que resume a algaraviada que durante longos minutos foi debitando com ar de bichano abandonado e tom compungido, frase essa dita já no declinar da mise en scène melo-dramática, quando a sensual Ana Lourenço lhe anunciou o acordo com a ANTRAM. Pinto de Sousa abriu prontamente o catálogo das poses, guardou cuidadosamente o ar grave nº 1 e retirou o sorriso nº 3, o qual aplicou com destreza sobre o rosto ainda hirsuto. Subitamente o estúdio ficou iluminando e da boca de Pinto de Sousa saiu o soundbyte que escapou à totalidade dos oráculos e dos aprendizes de hermenêutica: “… Portugal precisa dos Camionistas!”. Estava dito o essencial.


Na véspera, após a esclarecedora comunicação ao país de Pinto de Sousa e o concomitante colapso da minha vesícula biliar, tinha prometido à minha dignidade que no dia seguinte não iria assistir à entrevista conduzida pela bela, inteligente, charmosa, educada e sempre bem preparada Ana Lourenço, um luxo que claramente Pinto de Sousa não merecia – quer pelo calibre da interlocutora, quer pela preciosidade do meu tempo.
Porque tenho sempre uma réstia de esperança e uma fé residual (inocentemente pueril) de que o Pai Natal é chinês e também compra divida soberana, cedi à tentação na esperança de ver Pinto de Sousa assumir responsabilidades, encontrando nos erros cometidos o caminho da mudança e a configuração de um futuro mais digno. Em vão… Pinto de Sousa continua a vender sabões e gazuas a preço de saldo, a apontar armas a quem dele discorda perguntando de forma hipócrita e desafiadora pelas alternativas aos seus épicos esforço e estratégia, mantendo contudo uma energia telúrica que lhe permite ainda continuar a arregimentar apoios inauditos, que o meu estádio de desenvolvimento cognitivo não permite de todo entender - "Querem o garrote do FMI, a bancarrota, ou aceitam que Sócrates pode salvar o país?"
 Confesso por isso que tenho um sério problema, já não acredito em nada que Pinto de Sousa diz, pois os factos são a negação de tudo o que proclamou. Porque afinal, Pinto de Sousa, que à semelhança de Cavaco nunca se engana e raramente tem dúvidas, descarrega nos agiotas e na falta de regulação dos mercados do peixe e da fruta, os males da Grande Europa, não percebendo que enquanto os outros retomam o crescimento económico nós continuamos parados à borda da estrada, de forma despreocupada, a assobiar para o lado e a mijar contra o vento, na esperança de que alguém passe e nos dê boleia. Pinto de Sousa não consegue entender que a coisa é estrutural e que, para além de uma grave crise económica, o país enfrenta uma grave crise de valores e de credibilidade. E nem mesmo quando confrontado com os cenários divergentes do Banco de Portugal, do Banco Central Europeu ou da Comissão Europeia, Pinto de Sousa desarma – fixa os olhos chispados em Ana Lourenço, sem sequer perceber a sensualidade desarmante da jornalista, assume a predestinação dos seus dias e tomando sobre os ombros o pesado fardo, defende de forma apologética e estupidamente convicta a sua “Teoria Socrocêntrica”, declamando em voz grave a frase soprada pelos deuses e pelos assessores - "Eppur si muove!". Só que Pinto de Sousa não é Galileu Galilei, e Passos Coelho muito menos. Estamos por isso... quilhados!


Provocação


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Hello?! Hello?! Está aí alguém?...


14/03/11

Camelídeos





A diferença entre um camelo e um dromedário está no número de bossas. A teimosia, o narcisismo e a empáfia é comum. Dizem os livros que normalmente precipitam a sua efemeridade na solidão do deserto que laboriosamente foram conquistando aos terrenos férteis, sós, abandonados, ignorados até pelos parasitas e sacripantas que lhes engrossaram a corte enquanto havia sangue, vinho e mel para sugar.

Como hoje estou demasiado azedo, fico-me por aqui. Ah, já me esquecia - e não gosto de líderes carismáticos. Nem mesmo quando estão em forma.


09/03/11

Ironia das ironias





Na semana passada o camarada Jerónimo, em representação do sopro colectivo, entre palavras de ordem e alguns (inevitáveis) perdigotos, “bufou” as velas de mais um aniversário do seu partido, o que se releva - quem não reconhece, ou percebe, o papel e a importância sociológica e cívica que o PCP teve em Portugal nos últimos noventa anos, ou anda distraído ou anda a meter-se na poncha, a afamada bebida espirituosa do arquipélago das bananas.
Por entre os habituais discursos e profissões de fé, Jerónimo, armado de shotgun e munido de balas de borracha, fez uma vez mais pontaria a Sócrates – “Este Governo mais tarde ou mais cedo acabará por prestar contas". “Pois é camarada” – pensei eu – “e nessa altura  o povo que é quem mais ordena corre com Pinto de Sousa e indigita o siamês Passos Coelho, uma realidade incongruente face à leitura política do camarada secretário-geral. Irónico, não é?”
A questão é que, para o bem e para o mal o PCP não é um partido de Estado, no mais genuíno sentido da expressão. Talvez por isso o camarada Jerónimo não tenha percebido a ironia das suas próprias palavras, nem (talvez) a principal razão da “ala fundadora” do PS continuar a não evidenciar manifestos sinais de contestação ao engenheiro Pinto de Sousa.


03/03/11

Concertação Doméstica



Como não há duas sem três, e como estamos no princípio do mês, (outra vez!), a Lurdes Rata encostou-me à parede: exigiu revisão salarial bem acima da taxa de inflação e melhores condições de trabalho – “sem farramenta decente, como é que eu hei-de dar rendimento a passar camisas? Olhe que até a mulher do meu vizinho Quim Chifrudo é mais quente do que esta bodega deste ferro, c’um carago!”.
Para ganhar tempo e para me recompor da reivindicação obscena, contrapus com negociação, concertação social e coisa e tal.
Face à minha irredutibilidade em pactuar de forma irresponsável com o aumento desmesurado da despesa, a azémola, que é fina que nem um alho e que não deixa que lhe façam o ninho nos entrefolhos, acenou-me com dois pares de camisas e com a esfregona – “Quer camisinhas passadas e o chão lavadinho, quer? Olhe, peça às desavergonhadas que costuma trazer cá p’ra casa, elas que lhe façam o servicinho completo! Ao menos que gemam a fazer alguma coisa decente!”
Fiquei varado! Senti-me humilhado! Embaraçado! Então aumentam-me a água, a luz, o pão e a gasosa, a reforma parece que encolhe a cada Orçamento de Estado e a porra da mulher-a-dias ainda me vem com ameaças e insultos? Mas quem é esta proletáriazeca para pôr em causa o capital que todos os meses, religiosamente, lhe paga por fora o arroz e o toucinho? – “Oiça lá, ó sua mal-agradecida, acha que lhe pago pouco, é?”. A troca de argumentos subiu de tom. “Pouco? Pouco? Você sabe lá o que é governar uma casa de família com menos de novecentos euros por mês?” – retorquiu Lurdes Rata. Quando ouvi a cifra, até os olhos me brilharam e a resposta não se fez esperar: “Ó minha senhora, ó minha senhora, calma lá, a senhora é uma privilegiada, é o que é. Sabe com quanto é que se governa a Sra. Dona Cavaco Silva? Com oitocentos euros, mulher, oitocentos euros por mês, ouviu bem?!... E arranja-se melhor que você, sua pindérica!”.
Lurdes ia para me responder à letra, mas conseguiu abafar a tempo um colérico “Vá p’ró car…”, semi-cerrando os dentes. A concertação não estava a resultar e Lurdes saiu porta fora fazendo-a fechar com estrondo.
Já mais a frio pus-me a matutar e facilmente concluí uma “La Palissada”: eu preciso da Lurdes e a Lurdes precisa de mim, isso é certo e sabido! Aliás, precisamos todos uns dos outros! Talvez por isso não fosse pior dispensar alguma racionalidade para compor coisa.
Ora, sabendo eu que o graveto não estica e que não estou minimamente interessado em “colocar dívida” nas mãos de agiotas, só me sobra uma solução a contento das partes: reduzo ao mínimo de subsistência nos vinhos, no fumeiro, nos charutos e nas viagens, compro uma porra dum ferro de engomar xpto, proponho à Lurdes que faça menos horas sem lhe baixar a avença, e se no fim do ano as poupanças o permitirem e a Lurdes tiver cumprido, ainda leva uma prenda generosa.
Mas a Lurdes vai ter que me prometer três coisas: que não vê a Júlia Pinheiro enquanto passa as camisas a ferro, que não fica na palheta com a vizinha enquanto estende a roupa no arame e que vai ler as instruções do ferro novo antes de lhe dar uso, bom uso.
Vou já marcar uma nova ronda negocial.